domingo, 25 de setembro de 2011

Vida*

Fui atender o telefone, já estava a tocar pela quarta vez.

-Estou? – senti uma forte dor de cabeça.

-Estou sim, boa tarde, fala do Hospital Sta. Maria. A dona Leonor está?

-É a própria… - disse com alguma dificuldade.

-Dona Leonor o Doutor Dinis gostaria de falar consigo por causa dos seus exames. Quando está disponível?
-Hoje se o doutor poder…
-Muito bem dona Leonor, às quatro horas está bom para si?
Olhei para o relógio faltava uma hora para as quatro.
-Sim. Mas há algum problema?
-O Doutor depois falará consigo, a consulta está mercada. Muito obrigada dona Leonor e tenha um bom dia.
-Obrigada e igualmente…
Desliguei o telemóvel e fui vestir-me.

Os minutos na sala de espera pareciam demorar horas. Já eram cinco horas quando me mandaram entrar. O Doutor parecia preocupado e o aperto no meu estômago aumentou..
-Passa-se alguma coisa doutor? – estava demasiado ansiosa para esperar.
-Sente-se por favor dona Leonor. – disse ele calmamente apontado para um cadeira, fiz o que ele mandou – Chamei-a para falar dos exames que fez. O caso é complicado.
Engoli em seco.
-Encontrei várias manchas nas radiografias… Eu lamento dizer dona Leonor mas a senhora tem cancro… - continuei em silêncio – É num estado muito avançado, o que lhe causava as dores de cabeça.
-Há cura?.. – a minha voz era muito baixa, nem eu quase me ouvi.
-É um estado muito avançado dona Leonor..
Comecei finalmente a chorar, um choro silencioso.
-Quando tempo de vida doutor?
-Um a dois meses.
-Obrigada.. É só?
-Infelizmente sim dona Leonor. Lamento muito…
-Obrigada doutor. – levantei-me e sai do consultório.
Limpei as lágrimas, entrei no carro e conduzi sem destino. Naquele momento apenas me vinham imagens da minha vida ao pensamento, imagens do meu casamento, do dia em que a minha filha nasceu; vi os seus grandes olhos castanhos a chorar sem mim, revi o dia em que me formei, o dia em que tirei a minha melhor nota, o dia em que os meus pais se decidiram divorciar, o dia em que parti aquele prato de loiça a minha mãe e culpei o nosso antigo gato, o Wiskers.
Voltei ao presente e deixei o passado. Foi no dia sete de Junho que percebi que a minha vida tinha acabado e que não tinha feito nada do que queria dela. Não cheguei a ser actriz, nem escultora, nem pintora, nem estilista, nem guitarrista, nem dançarina; não cheguei a ser artista, nem uma estrela.
Era uma simples secretária e a minha vida não passou disso.
Foi ao som de Gun n' Roses que pensei em tudo isto, também foi ao som de Guns n' Roses que tinha sonhado ser artista (como a vida era irónica), foi enquanto absorvia cada nota, cada som, cada batida como uma esponja que descobri que somos apenas coisas e que descobri que a vida acaba em qualquer momento. Foi um mês depois que dei um beijinho e um abraço gigante a minha filha e fui internada no hospital com dores insuportáveis e foi no dia sete de Julho que a luz da estrela se apagou, como se alguma vez tivesse sido acesa.

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